Discretos contrastes
No caminho para casa, encontrei uma varredora de rua.Dei por mim a pensar.
Aquela senhora, empregada pela câmara municipal ou pela junta de freguesia, não sei, tem um contrato de trabalho sem termo, e um salário fixo consideravelmente superior ao meu.
Aquela senhora é beneficiária daquele sistema da ADSE e de uma série de outras regalias, exclusivas dos trabalhadores do Estado. Aqueles que trabalham das 9h às 5h. Os que tomam o pequeno-almoço das 9h30 às 10h00 e param para fumar um cigarro às 11h15. Os tais que almoçam das 12h00 às 13h30, e que vão lanchar por volta das 15h15. Os mesmos que, por volta das 16h30 param para fumar o último cigarro, e logo em seguida começam a arrumar as tralhas, porque às 17h há que correr até casa.
De onde eu venho, a coisa é ligeiramente diferente.
Entra-se às 09h, preferencialmente 10 minutos antes, para preparar o posto de trabalho. Às 9h10 convém fazer uma pausa, porque pouco depois, o telefone já não pára e já não há pausas para ninguém. Entre as 13h e as 14h é hora de refeição. Das 14h às 18h ainda há tempo para mais uma pausa, cronometrada ao segundo e dependente, sempre, das pausas dos outros colegas. Às 18h é hora de sair, preferencialmente 10 minutos depois, para terminar um último assunto e desligar tudo no posto de trabalho.
Não há regalias. Não há contrato sem termo. Não há segurança. E todos os meses, o salário fixo transforma-se em variável.
Pus-me a pensar.
Aquela senhora, varredora de rua, tem o nono ano. A 'escolaridade obrigatória'. Não estudou, talvez por falta de oportunidade ou de interesse, não é importante.
Tem os direitos dela, adquiridos de forma justificada, e eu em nada me oponho e nada tenho contra isso.
Eu estudei, tive oportunidade e um interesse ávido. Não é importante. Não tenho direitos, regalias, nem perspectivas de crescimento na empresa que integro, embora seja intelectualmente e academicamente superior à grande maioria. Eu e mais não sei quantas mil pessoas, que são subvalorizadas diariamente nas suas posições, nas suas empresas. E mais outras tantas, que enchem as ruas e os centros de emprego.
A verdade é que preferia ser funcionária pública. Ou estúpida... burrinha, vá! Ou pessoa que receasse represálias como se ainda fosse 1973...
Preferia ser menos burguesa, e mais contentada.
(Mentira!)